11 junho 2016

Inexplicáveis constrangimentos no turismo residencial


Este segmento turístico é condicionado pelo quadro jurídico vigente que acolheu o modelo de negócio de um grupo económico. Segundo um estudo da Associação Portuguesa de Resorts (APR), o turismo residencial (TR), pode gerar receitas de 10 mil milhões de euros de faturação, 500 milhões de euros em impostos diretos e criar 120 mil empregos por ano. Sendo possível duplicar este valor e ganhar quota num mercado dominado por Espanha, França e Itália, o TR é condicionado negativamente pelo quadro jurídico vigente, aprovado em 2008, que acolheu fielmente no art.° 45° do RJET (DL n.° 39/2008, de 7 de março), o modelo de negócio de um grupo económico, mas esqueceu os interesses dos demais players e da economia na sua globalidade.


Com efeito, adquirir um imóvel num aldeamento ou num conjunto turístico quando tais tipologias de empreendimentos turísticos tenham sido constituídas após a entrada em vigor do RJET, não é minimamente apelativo para a maioria dos potenciais interessados, designadamente cidadãos europeus reformados ou que pretendam passar uma parte do ano em Portugal, levando-os a desistir do negócio - ou quando o consumam, sem a adequada informação, sentirem-se profundamente enganados - porquanto: 
  1. Não podem lá residir permanentemente ou mesmo durante os períodos de férias/lazer, nem tão pouco decorar, a seu gosto, o interior do imóvel; 
  2. Esses imóveis estão permanentemente adstritos à exploração turística; 
  3. Não podem ser explorados diretamente, designadamente através da locação turística onde pontificam as plataformas digitais, impondo-se sempre a intermediação da entidade exploradora; 
  4. Os proprietários quando utilizarem a sua propriedade têm o mesmo estatuto de qualquer turista. 
O regime mais completo e equilibrado é o fixado pela Lei dos Empreendimentos Turísticos (LET) de 1997, que continua a ser aplicável à generalidade dos aldeamentos e conjuntos turísticos, mas também aí a autoridade turística nacional introduziu algumas perturbações.

As percentagens de afetação à exploração turística - respetivamente, 30%, 50% e 65% para os hotéis-apartamentos, aldeamentos e conjuntos turísticos consubstanciavam uma perspetiva de equilíbrio entre o uso residencial e o turístico. Neste quadro de utilização híbrida promoveu-se, durante largos anos o TR, em que o investidor podia residir, rentabilizar ou ambas as possibilidades.

Deste modo, na esmagadora maioria dos nossos resorts, aos quais continua a ser aplicável a LET de 1997, a menos que se opte pelo novo paradigma da exploração turística (art.° 459 RJET), os seus proprietários podem: 
  1. Utilizá-las para fins de residência permanente ou mais restritamente em períodos de férias ou lazer; 
  2. Decorarem o interior da sua propriedade como lhes aprouver;
  3. Rentabilizar a propriedade por via da locação turística celebrada diretamente com os utilizadores através das crescentemente influentes plataformas digitais (Airbnb, Homelidays etc.) que incrementam extraordinariamente estas transações; 
  4. Rentabilizar a propriedade por intermédio da entidade exploradora, sendo que a denominada afetação à exploração turística permite que os seus proprietários utilizem o imóvel até um limite de 90 dias anualmente. 
Enquanto no quadro de 1997 os proprietários são livres de celebrar contratos de exploração com a entidade exploradora, que terá de os remunerar adequadamente, no quadro de 2008 quando "a propriedade e a exploração turística não pertençam à mesma entidade ou quando o empreendimento se encontre em regime de propriedade plural, a entidade exploradora deve obter de todos os proprietários um título jurídico que a habilite à exploração da totalidade das unidades de alojamento". 

Em 2014, foi aprovado o Regime Jurídico do Alojamento Local (RJAL), estando na sua origem fundamentalmente propósitos de combate à evasão fiscal, porquanto a crescente locação turística de apartamentos nos centros das cidades, estimulada pelas plataformas digitais, gerava significativas receitas que escapavam ao fisco. Deste modo, por arrastamento, a partir do RJAL, os proprietários de imóveis em aldeamentos e conjuntos turísticos que pretendam rentabilizar as suas propriedades através da locação turística e não por intermédio da entidade exploradora, têm de o fazer sob as vestes do alojamento local (AL). Não têm outra possibilidade! 

No entanto, o TP, organismo deliberadamente afastado do AL, no qual imperam as câmaras municipais, invoca, sem qualquer apoio na letra ou no espírito do n° 2 do art.° 2° do RJAL, que nos aldeamentos turísticos não pode existir AL, o que impossibilitaria a locação turística! No entanto, a norma tem um conteúdo bem diferente: se um investidor opta, por mero facilitismo pelo AL, quando o estabelecimento reúne requisitos para ser considerado um apartamento turístico ou um hotel, tem de reconverter-se em empreendimento turístico. 

O RJET salvaguardou o anterior quadro normativo, até pela circunstância de muitos proprietários nacionais e estrangeiros residirem, se não a totalidade, pelo menos uma boa parte, do ano nos aldeamentos e conjuntos turísticos. Dispõem também esse proprietários da faculdade de rentabilizarem as suas propriedades diretamente - tendo de se registar no AL - ou através da entidade exploradora. Ao Turismo de Portugal, cumpre respeitar estes direitos e verificar se as entidades exploradoras cumprem efetivamente as percentagens de afetação à exploração turística. 

Por Carlos Torres, Advogado, professor da ESHTE
Fonte: Expresso

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