07 março 2017

Terá a Assembleia de Condomínio uma palavra a dizer na transformação de uma habitação para alojamento local?


Em voga está a exploração das habitações como alojamento local para turistas, o que trouxe uma inegável regeneração dos centros urbanos e dinamização social. Não obstante, o fenómeno do alojamento local tem dado a conhecer diversos efeitos perversos, diga-se ao nível dos comportamentos “antissociais”, e por isso muitas vezes perturbadores da comunidade condominial.


Ora, imagine-se, que no seu prédio entram e saem, constantemente, pessoas a ele estranhas, que nele circulam, por elevador e/ou por escadas, provocando vários ruídos e estragando ou empregando um mau uso das áreas que são comuns. A verdade é que esta temática tem sido objeto de discussão nos nossos tribunais, ao ponto de recentemente ter sido decidido pelo Tribunal da Relação do Porto (Acórdão de 15/09/2016), que a integração do alojamento local no conceito de habitação merece ser cautelosamente debatida.

Foi entendimento deste Tribunal que não existe qualquer incompatibilidade que fundamente a recusa da possibilidade da fração destinada para a habitação vir a ser usada para alojamento temporário, não sendo bastante para caracterizar a finalidade da fração o facto de este alojamento ser realizado mediante um regime de prestação de serviços. Acrescentou ainda, que o Regulamento de Condomínio não pode impor restrições materiais ao conteúdo do direito de propriedade e, bem assim, proibir o alojamento local, quando não tal resulte do título de constituição da propriedade horizontal ou do consentimento do condómino atingido, sob pena de ineficácia em relação a este.

Porém, na ótica do Tribunal da Relação de Lisboa (Acórdão de 20/10/2016) à fração destinada para habitação não pode ser dado outro destino como seja o alojamento mobilado para turistas, sendo para tanto irrelevante o licenciamento do local para a atividade comercial pelas entidades administrativas competentes. As sim, veio este Tribunal admitir que a aprovação da deliberação em Assembleia de Condomínio que proibiu o alojamento local não é ilegal, já que a mesma é consentânea com o conteúdo do título constitutivo e com a lei.

Perguntar-se-á, terão as preocupações de um condomínio e dos demais condóminos um valor preponderante em relação ao condómino que explora uma atividade de alojamento local na sua fração? 

A verdade é que existem mecanismos de defesa próprios que a nossa ordem jurídica prevê para tutelar as situações perturbadoras dos direitos de personalidade. Também é certo que, não raras vezes, os prédios incluem frações com estabelecimentos, mais prejudiciais para a vida dos habitantes do que o alojamento de turistas, cujo ruído pode ficar aquém do que seria feito pelos membros de um agregado familiar.

O ponto de discórdia radica na ausência de norma legal que regule a matéria de autorização de utilização que o edifício/fração deve possuir e, por força dos interesses em jogo, o tema está longe de alcançar uma resposta definitiva. Tendemos para crer que o conceito de habitar inclui o de alojar, pelo que, a finalidade habitação não constitui um obstáculo ou fundamento legal para impedir o funcionamento de uma unidade de alojamento. Não obstante, reconhecemos o importante desafio que se impõe, por via da revisão que vier a caber a este regime jurídico. 

artigo de Cristina Faria Advogada estagiária, PRA - Raposo, Sá Miranda & Associados, Sociedade de Advogados, R.L. publicado no jornal Vida Económica

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