25 março 2017

Reabilitação está a ser comandada pelo negócio imobiliário


Os especialista do património alertam para os erros que se estão a cometer na reabilitação, sobretudo com a frequente substituição de edifícios antigos por construções espalhafatosas e exibicionistas. O conceito de "reabilitação" cobre hoje uma grande diversidade de situações, em termos, por exemplo, da escala de intervenção, que pode ir desde o edifício, ou mesmo da fração, até ao bairro ou a áreas extensas do território urbano.

A reabilitação em Portugal está a ser comandada pelo negócio imobiliário e, em consequência, pensada sobretudo no curto prazo, sem grandes preocupações quanto à durabilidade e, muitas vezes, quanto à segurança estrutural. Isto é particularmente grave nas zonas sísmicas do país, que abrangem toda a metade sul, com particular incidência nos estuários do Tejo e do Sado e no Algarve. Estas são afirmações de Vítor Cóias, presidente da comissão organizadora do Fórum do Património - 2017, que se irá realizar no dia 10 de abril de 2017, na Sociedade de Geografia de Lisboa - no âmbito da celebração do dia Internacional dos Monumentos e Sítios adotado pela UNESCO e pelo ICOMOS.


O Fórum tem como objetivo unir as Organizações Não Governamentais dedicadas à defesa do património cultural construído e da paisagem e potenciar a sua atuação conjunta na salvaguarda dos valores patrimoniais. Este Fórum tem na comissão organizadora o GECoRPA - Grémio do Património, a Associação Portuguesa de Arqueologia Industrial, a Associação Portuguesa dos Amigos dos Castelos, a Associação Portuguesa de Casas Antigas e a Associação Portuguesa para a Reabilitação Urbana e a Proteção do Património. Para Vítor Cóias esta iniciativa pretende estabelecer uma estratégia de defesa do património. 

"As boas práticas de reabilitação não estão suficientemente difundidas, apesar do conhecimento necessário estar disponível. O setor nacional da construção esteve anos e anos dedicado à construção nova. A reabilitação é muito mais exigente em termos metodológicos e tecnológicos. Pressupõe qualificação específica de quem projeta e de quem executa'', esclarece o responsável. A prova de que se fazem graves erros contra o património, é o exemplo recente da demolição de um edifício na Praça das Flores, em Lisboa. Segundo o responsável trata-se do edifício mais antigo desta praça, cuja construção remonta para cerca de 1760, fazendo parte do 1º Plano de Urbanização depois do terramoto de 1755. "Trata-se de um edifício com valor histórico e nem a providência cautelar apresentada pelas Associações de defesa do Património e aceite pelo juiz, foi capaz de travar a parcial destruição do edifício. Enquanto a decisão judicial não saiu o empreiteiro continuou a demolir, restando agora pouco do edifício, refere Vítor Cóias.

Este e outros casos são frequentes em vários pontos do país. O presidente da comissão organizadora do Fórum e do GECoRPA, adianta que o principal desafio da reabilitação é a vetustez de grande parte do edificado. Os arquitetos, os engenheiros e os construtores desconhecem os materiais e processos construtivos anteriores ao betão armado, que se tomou rei nas universidades e nos empreiteiros, a partir dos anos quarenta. Por outro lado não são sensíveis ao valor cultural de grande parte do edificado, sobretudo na cidade antiga, nos centros e bairros históricos. "Daí a frequente substituição de edifícios antigos por construções espalhafatosas e exibicionistas, que nada têm a ver com os locais. Há, entre os os arquitetos um exagerado 'culto do objeto e uma vontade incontida de 'deixar marca'. Ora, a arquitetura é muito mais do que isso', esclarece.

Mas ressalva que a reabilitação tem vantagens óbvias em termos de sustentabilidade. Permite poupar materiais e energia, evita a produção de entulho e a ocupação de mais solo virgem. "Logo, é muito mais 'amiga do ambiente' do que a construção nova. Feitas as contas, é também mais económica, ao contrário do que muitos construtores, que preferem o caminho mais fácil, ou pretendem fazer crer", esclarece.

Um ponto negativo é o descurarem-se, muitas das vezes, os aspetos da durabilidade e da segurança estrutural. "Muitas intervenções de reabilitação, algumas até premiadas, revelam-se também negativas em termos sociais, pois têm por destinatários clientes endinheirados, por vezes estrangeiros, muitas vezes especuladores, ao passo que os moradores originais são relegados para os subúrbios", conclui.

artigo publicado no caderno especial Reabilitação do Jornal Económico

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