08 janeiro 2017

A praga do alojamento local


Não, o alojamento local não é uma praga. O título é só para vos chamar a atenção para o tema do pretenso enorme aumento de impostos no alojamento local. Comecemos pelo princípio: o alojamento local é coisa boa. Não apenas tem servido exemplarmente a reabilitação urbana (ou já se esqueceram do ermo desolado que eram as Baixas de Lisboa e Porto?), como preenche um nicho de mercado que ajuda o nosso turismo. Tem consequências menos boas, é certo, mas não há bela sem senão.


Por outro lado, o alojamento local se não é todo igual. Devemos distinguir, entre outras possíveis categorizações, os estabelecimentos coletivos (hostels e blocos de apartamentos) dos apartamentos isolados, os quais, pelas suas diferentes caraterísticas, deverão ser tratados de forma diversa, seja do ponto de vista do licenciamento, seja de segurança e de higiene, seja do ponto de vista fiscal. Com efeito, se os primeiros são, por regra, verdadeiras empresas com dimensão relevante, os segundos são normalmente detidos por proprietários individuais. Se os primeiros podem ser tratados como estabelecimentos similares aos hoteleiros, os segundos não fazem sentido serem-no. A compará-los com algo, será com o arrendamento para habitação.

Com as alterações para 2017, reduz-se a diferença de IRS a pagar entre os mais comuns regimes de arrendamento e alojamento local: no exemplo dado, o arrendamento mantém para 2017 uma taxa efetiva de 22,4% mas o alojamento local vê a sua taxa efetiva subir de 6,75% para 15,75%. Ainda assim, o regime fiscal do arrendamento local continuará mais vantajoso que o do arrendamento. 

Porquê, então, tanto alarido com o "enorme aumento de impostos"?

Admito que haja receio de que o Estado caia. na sua desmedida ganância por receita fresca, na tentação de matar a galinha dos ovos de ouro. A ser esta a razão, não contesto - convém nunca subestimar o apetite do Estado cobrador, a quem a receita fiscal sabe sempre a pouco e que, historicamente, tem tradição de esmagar com impostos atividades económicas até à respetiva extinção.

Mas neste caso penso que não há qualquer razão para alarme. Quanto ao 'grande' alojamento local, nade muda: para estas empresas, como para os hotéis, o regime é naturalmente de contabilidade organizada. Já no 'pequeno' alojamento local, apenas uma mudança, e não muito significativa: no regime simplificado (em que os custos se presumem), deixará de se tributar o 'pequeno' alojamento local como se de um hotel se tratasse. Ora, cabe na cabeça de alguém que um apartamento arrendado tenha a mesma estrutura de custos que um hotel? Basta pensar nos custos com o pessoal... Então por que carga de água se presumiam custos iguais para o alojamento local (na modalidade moradia ou apartamento) e para os hotéis?

É dos livros que os impostos devem ser neutros em relação às diferentes atividades económicas, i.e., salvo ponderosas razões extrafiscais, o imposto não deve direcionar ou estimular os operadores económicos para a seleção de certas atividades em detrimento de outras. Ora, a situação que estava em vigor não era neutra: o pequeno alojamento local pagava (muito) menos imposto em relação a um arrendamento equivalente. Em 2017 a diferença será um pouco menor, com pequena vantagem para o alojamento local. Logo, e ao que tudo indica, um regime fiscal mais neutro e, portanto, melhor.

Para rematar direi apenas o seguinte: o alojamento local é bom para todos e os problemas que coloca não são fiscais nem se resolvem com medidas fiscais (espero que alguém no Governo esteja a prestar atenção...). Quem, a pretexto dos impostos, mistura alhos locais com bugalhos hoteleiros, em nada ajuda o alojamento local - que não é praga nenhuma e muita falta faz ao nosso pobre país.


artigo de opinião de João Espanha, advogado especialista em Direito Fiscal publicado no jornal Expresso

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