07 dezembro 2016

Proprietários podem proibir vizinhos de alugar casas a turistas


Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa valida decisão de assembleia de condóminos de proibir alojamento local, considerando “irrelevante” as autorizações dadas por entidades públicas. Pode uma assembleia de condóminos proibir a afetação de uma ou mais frações de um prédio para arrendamento a turistas? Pode, sustenta o Tribunal da Relação de Lisboa, num acórdão recente que pode levar outros condóminos a travarem a exploração de atividades comerciais em prédios de habitação.


Aquele tipo de oferta, denominada de alojamento local ou de curta duração, cresceu de forma exponencial nos últimos dois anos, sobretudo, nos centros das cidades de Lisboa e do Porto, e tem gerado alguma conflitualidade entre residentes permanentes (proprietários ou arrendatários) e turistas. Ruído, horas de partida e de chegada suscetíveis de perturbarem o descanso noturno, ou falta de privacidade nas áreas comuns, são alguns dos problemas apontados.

O caso que chegou à relação tem por base uma decisão de uma assembleia de condóminos de um prédio em Lisboa, aprovada por maioria em Maio deste ano, e que proibiu a prática de alojamento local exercida numa fração. A proprietária avançou com uma providência cautelar para travar a decisão, que foi aceite pela primeira instância mas revogada pela relação.

O acórdão limita-se a recuperar o que está no Código Civil (artigo 1418), onde se salvaguarda que, se o título constitutivo da propriedade horizontal (prédio com frações autónomas, detidas por vários proprietários) estabelecer como utilização a habitação, a assembleia de condóminos pode não autorizar outro destino ou afetação. E o alojamento para turistas é considerado uma atividade comercial (CAE 55201).

Assim, ou os condóminos condescendem na prática da atividade comercial, como cabeleireiro, consultório, entre muitos outros, ou esta não pode ser exercida. É que, o mesmo Código Civil prevê a possibilidade de alteração do título constitutivo, mas obriga a que seja feita por escritura pública, o que só é possível se essa mudança for aprovada por unanimidade, ou seja, com a aceitação expressa de todos os restantes proprietários.

“Se um condómino dá à sua fração um uso diverso do fim a que, segundo o título constitutivo da propriedade horizontal, ela é destinada, ou seja, se ele infringe a proibição contida no artigo 1422º (…) do Código Civil, o único remédio para essa afetação é a reconstituição natural (afetação da fração em causa ao fim a que ela estava destinada) ”, concluem os juízes da Relação.

Omissões do arrendamento local

A legislação que enquadra esta atividade é recente (Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29 de Agosto, alterado pelo Decreto-Lei n.º 63/2015, de 23 de Abril), obrigando à sua autorização por várias entidades públicas, mas é omissa em relação à autorização dos condóminos.

Contudo, no caso em apreço, o acórdão considera “irrelevante” o licenciamento da atividade por parte dos serviços de Finanças de Lisboa, da Câmara Municipal de Lisboa e do Turismo de Portugal. “As autorizações de entidades administrativas, segundo as quais determinada fração autónoma de prédio constituído em regime de propriedade horizontal pode ser destinado a comércio, não têm a virtualidade de alterar o estatuto da propriedade horizontal constante do respetivo título constitutivo, segundo o qual essa fração se destina a habitação”.

Contactado pelo PÚBLICO, Fernandes Martins, assessor jurídico da Associação dos Inquilinos e Condóminos do Norte de Portugal, considera que aquelas entidades públicas não podem autorizar uma atividade comercial sem a prévia comprovação de que vai ser exercida em local legalmente permitido. O jurista admite que a grande maioria dos proprietários e administradores de condomínio desconhecem as limitações de afetação das frações em propriedade horizontal. O facto deste tipo de arrendamento ser recente e muito localizado nas grandes cidades explica a baixa litigância judicial, uma vez que Fernando Martins não conhece outras sentenças recentes sobre esta matéria.

O arrendamento habitacional ou permanente de frações não tem qualquer constrangimento legal, explicou ainda o jurista.

O reforço do poder dos condóminos tem vindo a ser defendido pelos partidos de esquerda, e pela Associação da Hotelaria de Portugal (diretamente afetada pela crescente oferta deste tipo de alojamento privado). Helena Roseta, deputada do PS e presidente do grupo de trabalho da habitação, no Parlamento, confirma “o interesse em ouvir os condóminos nos casos em que eles sejam também residentes”, mas refere que não há nenhum projeto de lei em discussão sobre essa matéria.

Fonte: Público

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