09 dezembro 2016

A guerra do habitacional ao alojamento local

A grande dinamização das viagens aéreas foi, nos últimos anos, dando lugar ao fenómeno do low-cost do alojamento. De repente, o "casco velho" das cidades começou a ganhar oferta de pequenos apartamentos, tendência que se foi alastrando, popularizando e utilizando megas plataformas de divulgação e de comercialização. 

O que tradicionalmente era um canal de cedência de habitação por períodos curtos e entre um círculo limitado de pessoas - amigos, conhecidos, familiares - tornou-se numa indústria de grandes dimensões.

As cidades foram ganhando cada vez mais turistas e pessoas circulantes por estas habitações de estadias curtas. A mancha foi-se alastrando e rivalizando com os hotéis que, tal como as companhias aéreas tradicionais, também tiveram que começar a ajustar-se a esta nova realidade. A dimensão deste fenómeno está bem patente na recente decisão da cidade de Nova Iorque. Em outubro deste ano, o Governador aprovou um diploma que passou a restringir o anúncio de alojamentos habitacionais por períodos inferiores a um mês, o qual já estava proibido desde 2010. Esta proibição justificou-se pelo facto de a indústria do alojamento retirar do mercado de arrendamento muita habitação, por terem maior rentabilidade quando afeta a turistas. Em 2015, a principal plataforma online tinha faturado cerca de mil milhões de dólares no alojamento nesta cidade. 

É neste enquadramento que surge a discussão do alojamento local em Portugal, primeiro com uma decisão do Tribunal da Relação do Porto e agora com uma decisão da Relação de Lisboa, com decisões em sentidos opostos. O diferendo existe nos casos de alojamento em frações de prédios em que as restantes frações são de habitação permanente. A questão não se coloca nos prédios que fiquem atualmente afetos a esta atividade.

A Carta Magna de um edifício é o título de Propriedade Horizontal, que define a afetação das frações autónomas na habitual classificação de habitação, escritórios, comércio e industria. Segue-se o Regulamento de Condomínio e, por último, as deliberações dos condóminos. É com base nas disposições daqueles instrumentos que os condóminos conhecem o destino do edifício e detêm o direito de veto para a alteração de utilização de qualquer das frações autónomas. Durante várias décadas assistiu-se ao confronto na modificação de uso das frações de habitação para escritórios, em especial em Lisboa e Porto, com a oposição dos condóminos habitacionais nos respetivos processos de licenciamento. 

O diploma que veio regulamentar o alojamento local não atendeu àquela que poderia vir a ser a posição do condomínio face ao exercício desta atividade numa fração de um edifício habitacional. O legislador considerou como bastante que a fração tenha licença de habitação. A exploração dos estabelecimentos de alojamento local depende de uma mera comunicação prévia, dirigida ao Presidente da Câmara Municipal, em que terão de constar um conjunto de informações. Nada é referido ou exigido quanto à aprovação ou à não oposição dos condóminos.

O recente acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, agora conhecido e que ainda não terá transitado em julgado, relança o debate. Primeiro, porque começa por considerar esta atividade como comercial, a tal indústria poderosa que está aí, à vista de todos e de fácil acesso. Depois, porque vem destinar as frações do prédio a um fim diferente: apesar de se manterem como habitacionais, a sua utilização é comercial, alteração que Careceria da concordância dos condóminos. Esta decisão acaba por dar prevalência à vontade dos condóminos, em função do que está estipulado nos instrumentos do edifício, em claro detrimento da forma de licenciamento que foi consagrada no diploma do alojamento local. 

Caso esta decisão seja confirmada pelo Supremo, está aberto um forte precedente jurisprudencial, que dará argumentos para os condóminos poderem, combater o alojamento local licenciado. A tese contrária - a do Acórdão da Relação do Porto - será a de continuar a dar prevalência ao licenciamento, nos termos daquele diploma, em detrimento da eventual oposição dos condóminos. 

A confirmar-se esta nova tese, está aberta a via verde para que os condóminos venham a recorrer a tribunal peticionando que seja proibida a exploração do alojamento local. Havendo várias decisões que permitam criar uma jurisprudência pacífica neste sentido, restará ao legislador alterar a forma de licenciamento do alojamento local. O exemplo de Nova Iorque ou a exigência da não oposição dos condóminos são vias possíveis.

Artigo de opinião da autoria de Luís Filipe Carvalho, sócio da ABBC
Fonte: Jornal Económico

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