22 novembro 2016

O que se segue no regime do arrendamento?


Foi aprovada, na generalidade, pela maioria parlamentar de esquerda, uma das intituladas “intervenções cirúrgicas” ao regime do arrendamento, promovidas pelo PCP (Projeto de Lei n.º 310/XII-2.º), para o reforço da salvaguarda da posição dos arrendatários, em particular daqueles cujos contratos foram sujeitos ao processo de transição para o NRAU e de atualização das rendas, aprovado com a reforma de 2012.


Com esta intervenção, são tratados de forma que efetivamente podemos classificar como cirúrgica, os pilares essenciais da reforma de 2012, prevendo alterações de relevo que versam essencialmente sobre: (i) o alargamento do período transitório de 5 para 10 anos; (i) a alteração dos prazos iniciais aplicáveis após a transição para o NRAU, que atualmente são de 2 ou 3 anos (consoante se trate de arrendamento para habitação ou para outros fins) e que passam agora a 5 anos; e ainda (iii) uma significativa redução do limite máximo do valor da renda devido durante o período transitório, de 1/15 para 1/25 do valor patrimonial tributário.

Rapidamente se conclui que – a ser aprovada, na especialidade, esta reforma -, as perspetivas que, em 2012, foram dadas aos Senhorios (no sentido de lhes permitir colocar um fim aos arrendamentos vinculisticos e começar a rentabilizar o respetivo património, findo o prazo de 5 + 2/3 anos), são agora ostensivamente defraudadas, com a imposição de um novo compasso de espera de mais 8 anos, delay que obrigará os Senhorios a, de novo, colocar em standby quaisquer projetos de reabilitação que tenham entretanto desenvolvido para o seu património com base nesse pressuposto.

São muitas as questões jurídicas que este projeto nos suscita, que importará acompanhar e tratar se e logo que o futuro diploma for aprovado na especialidade. Até lá, impõem-se algumas reflexões: a mais imediata, sobre o sacrifício imposto aos Senhorios: até que ponto pode é razoável sacrificar, desta forma, os direitos dos proprietários em prol do direito à habitação que alegadamente está na base destas alterações? Deve o direito à habitação prevalecer sobre tais direitos? Uma paralela, sobre o período transitório de 10 anos – não seriam os atuais 5 anos já suficientes para permitir aos Arrendatários uma adaptação (quiçá demasiado) tranquila e prolongada no tempo, sobretudo se quando terminados estes 5 anos lhes é legalmente assegurado um prazo adicional mínimo de 2 anos?

A par da extensão do prazo e da redução do limite máximo para atualização da renda, devemos salientar o Projeto de Lei em causa contém ainda uma disposição transitória muito relevante para os contratos de arrendamento que ainda se mantenham em regime vinculativo ou de perpetuidade, relativamente aos quais se prevê que aos mesmos não serão aplicáveis as normas do NRAU. Uma das interpretações possíveis para a esta disposição será no sentido de excluir, do NRAU, todos os contratos em relação aos quais os respetivos Senhorios tenham promovido o processo de transição introduzido com a Lei de 2012, o que, a confirmar-se, representará uma forte limitação dos direitos que o NRAU lhes poderia conferir. Será decisiva, quanto a esta disposição, a discussão do diploma na especialidade.

Notamos que estas alterações são transversais aos arrendamentos para habitação e para comércio ou serviços e aplicam-se a todas as circunstâncias de salvaguarda dos arrendatários (arrendatários com mais de 65 anos, com grau de incapacidade igual ou inferior 60% ou com rendimentos inferiores a 5 retribuições mínimas nacionais anuais, bem com aos arrendamentos onde existam estabelecimentos que sejam microempresas, onde funcionem pessoas coletivas de direito privado sem fins lucrativos ou onde estejam instaladas casas fruídas por repúblicas de estudantes).

Uma breve nota final acerca desta “intervenção cirúrgica” promovida pelo PCP: além do Projeto de Lei n.º 310/XIII – 2.º, que aqui abordamos de forma sumária, já aprovado na generalidade, foi ainda lançado um conjunto de iniciativas legislativas complementares no âmbito do arrendamento, ainda em discussão, que visam a garantia de realojamento em caso de obras em prédios arrendados, o reforço da proteção dos arrendatários em caso de cessação de contrato de arrendamento, o alargamento do regime de transmissão por morte do arrendamento para habitação e a extinção do balcão nacional do arrendamento.

Por Mariana Vilaça Fernandes, Advogada na Telles de Abreu Advogados

0 comentários:

Enviar um comentário

Obrigado pelo seu comentário.