10 setembro 2016

Imobiliário 4.0 ou o efeito perverso das plataformas digitais de alojamento local


A era da indústria 4.0 chegou ao mercado imobiliário e está a mudar a face de Lisboa e do Porto. O comércio eletrónico, liderado por empresas chamadas ‘unicórnios’ (não a figura mitológica mas antes start ups que em poucos meses atingem valores de mil milhões de euros, ou mais), traz uma nova dimensão no poder de customização e de escolha aos clientes e de geração de receita. A realidade nunca mais será a mesma.


É o turismo que mais impulsiona este fenómeno urbano, alimentado por plataformas digitais que contribuem para a crescente conectividade mundial. Este recente ‘boom’ de turistas em Portugal, nomeadamente em Lisboa e no Porto, foi facilitado pelo igual crescimento de focos de alojamento local, dominado pelo aluguer de casas particulares, através de plataformas de comércio digital. Sem esta modalidade, onde iriam dormir todos estes novos turistas?

De acordo com dados divulgados pela principal plataforma (Airbnb), cerca de 30% dos turistas que a usaram para vir a Lisboa afirmam que, de outra forma, não visitariam a cidade ou não teriam ficado tanto tempo. De facto, na era do digital, a capacidade de reação e de criação de tendências é muito superior – no início de janeiro de 2014 contavam-se menos de 5 mil casas na capital portuguesa nesta plataforma. No arranque deste ano, havia cerca de 12 mil casas e, neste momento, todos os dias há 75 novos registos oficiais.

Este fenómeno urbano, hoje quase imparável, tem grandes implicações económicas, sociais e mesmo culturais. De acordo com um estudo da Airbnb, os 433 mil hóspedes que se alojaram em Lisboa através da sua plataforma criaram um retorno de 42,8 milhões ao nível de arrendamento e 224,9 milhões na economia local em 2015.

No entanto, os impactos que as novas plataformas de alojamento local estão a ter nas cidades são polémicos. Pela natureza destas empresas, o crescimento dos ‘unicórnios’ é tão acelerado que é difícil conseguir acompanhar integralmente todo o impacto que provocam. A Comissão Europeia pediu aos Estados Membros para não banirem estas novas plataformas, mas várias cidades já introduziram entraves legais à sua utilização, como limites ao tempo mínimo das dormidas (para evitar o aluguer de muito curta duração, a bandeira do alojamento local).

Parece estranho querer limitar algo com tanto potencial, mas os efeitos dos ‘unicórnios’ do alojamento local são muito variados e alguns são menos positivos. Os centros históricos estão a ficar sem cidadãos locais. 

Dados oficiais indicam que a oferta de casas para arrendar de 2014 para 2015 caiu 21 % na área metropolitana de Lisboa e 26% no Grande Porto e os preços das rendas têm subido mais de 10% ao ano, sendo que em certas zonas de Lisboa subiram mais de 20%. Zonas anteriormente muito autênticas, hoje, têm mais estrangeiros do que locais.

Para os proprietários de uma casa em Lisboa ou no Porto, isto são boas notícias, pois conseguem rentabilizar o seu património, já que as plataformas de alojamento local permitem a rentabilização dos espaços disponíveis em casa. Ao contrário do que se possa pensar, o anfitrião médio em Lisboa tem 39 anos e mais de 40% têm um rendimento familiar igual ou inferior à média em Portugal (que por sua vez é das mais baixas da Europa). Quase 43% afirmam que usa estes rendimentos extra para ajudar a equilibrar o seu orçamento. Com a crise, o desemprego e os baixos salários, estas plataformas têm ajudado muitas pessoas.

Naturalmente, os investidores imobiliários também têm benefícios. Cidades como Lisboa e Porto, que têm (ou tiveram) um problema com o grande número de casas devolutas, agora sentem um novo e desejado ímpeto de reabilitação urbana. Igualmente positivo é que esta reabilitação está a ser feita principalmente sem recurso a mecanismos públicos, poupando dinheiro aos contribuintes – desde que o Estado há um ano disponibilizou uma linha de crédito bonificado para quem quiser reabilitar prédios para, de seguida os colocar no mercado de arrendamento, nem 25% das verbas disponíveis foram usadas. Os donos de imóveis preferem colocar as casas no alojamento local. 

Seguindo as diretrizes europeias que tiveram o objetivo de promover uma ‘sharing economy’, o ex-secretário de Estado do Turismo, Adolfo Mesquita Nunes, disse recentemente que “o alojamento local é um desafio, não um problema”. O desafio passa também por conseguir assegurar a devida contribuição fiscal (e efetiva economia de partilha) destes focos de alojamento. Todas as cidades estão a ter dificuldades em tributar esta receita. Sem prejuízo dos seus elementos comuns, é difícil conceber um conjunto de regras que se apliquem aos serviços da “economia de partilha” em geral, pois abarcam sectores tão distintos como o imobiliário ou o dos transportes. Por outro lado, normas sobre proteção de dados pessoais na internet e o facto de estas plataformas não estarem sediadas nos países onde operam dificultam a transparência fiscal. 

O novo regime de alojamento local obriga ao registo dos estabelecimentos, facilitando a fiscalização do cumprimento das obrigações fiscais dos proprietários. No entanto, de acordo com os números apresentados pela ASAE, fruto do que apelidou de “um esforço redobrado” no combate ao alojamento paralelo, no primeiro semestre de 2016 foram detetados 41 estabelecimentos de alojamento local a operarem ilegalmente em Portugal. 

Tendo em conta que a média diária de registos oficiais de alojamento local é de 75, o total detetado pela ASAE parece pouco. 

O desenvolvimento tecnológico normalmente surge como uma força que altera a ordem previamente estabelecida. Hoje em dia, estas alterações surgem com um ritmo alucinante e causam impactos nas sociedades que são mais transversais. Há muitos benefícios que seguramente poderão ser retirados, caso se consiga colocar a indústria 4.0 a favor das pessoas de forma coletiva, trazendo-nos assim verdadeiramente para a era da economia de partilha.

Por Francisco Quintela Partner e cofundador da Quintela e Penalva – Real Estate
Fonte: Caderno Imobiliário do jornal Vida Económica de 9 de setembro de 2016

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